quinta-feira, 13 de junho de 2013

DEVANEIO: "O sangue na parede e a superficialidade do horror/terror"

Não são muitas as pessoas que conheço e que realmente gostam de ler e discutir suas leituras e preferências literárias. Dessa forma, na maior parte das vezes que desenvolvo alguma conversação sobre literatura, estou conversando com alguém "nem tão interessado assim" por livros como eu ou qualquer outro rato de livraria.


Mas, de um modo geral, a conversa sempre se direciona ao ponto clássico: 


"Que tipo de livro/história você mais gosta?"


"Ah, um pouco de tudo, eu acho. Menos auto-ajuda, talvez. Mas os meus gêneros favoritos são mistério, horror, terror."


Acredito que, em 90% das vezes, a próxima expressão evocada pelo meu companheiro de conversa é um desconcertado "Huum".



Mas eu sei o que todos eles pensam nesse momento. Na verdade, é uma coisa que, infelizmente, muita gente ainda pensa:


"O horror/terror é algo superficial, só pra chocar."


Ou pior:


"Ah, é só botar algum fantasma ou uma parede coberta de sangue que ele já acha bom."


...


Veja bem...

alfred hitchcock / Tumblr 
Sabe, todo mudo tem suas preferências tanto na Literatura quanto no Cinema, no Teatro, nos Games, no que for. Não gosta de terror/horror? Beleza, só não vai achar que o gênero inteiro se resume às histórias toscas contadas por escoteiros em volta da lareira. Tampouco às cenas de violência sem sentido ou contexto presentes em filmes B de baixo orçamento.


Os livros, para mim, são uma grande simulação. Não no sentido ruim da palavra; não quero dizer que sejam algo para nos iludir, mas sim para proporcionar emoções e sentimentos a partir do simples estímulo proporcionado pela nossa imaginação e interpretação da narrativa.


Eu não sinto "O MEDO" na maior parte das histórias de horror que leio. Mas isso está muito longe de significar que elas sejam ruins.

O que é "O MEDO"?

"O MEDO" é aquela coisa, sabe? Aquele reflexo do nosso instinto de sobrevivência, aquele "medo da vida real", de ser quase atropelado atravessando a rua, de cair de grandes alturas, de ouvir um tiroteio próximo ao local onde você está. 


"O MEDO" se reflete na Literatura como aquilo que faz a gente olhar duas vezes pro armário, pra de baixo da cama, aquela sensação de estar sendo observado quando está fechando os olhos para dormir. "O MEDO" é proporcionado por poucas histórias de horror. Geralmente as que consideramos as melhores.


Mas voltando à simulação: muitas histórias clássicas e fodásticas de horror e terror são apenas a simulação do medo. 


É apenas o medo (em minúsculo). Aquele calafrio, repulsa e o arregalar dos olhos está presente, você sente pelo personagem, mas, depois de fechar o livro, é provável que não passe de uma memória empolgante da leitura; é claro que você poderá associar essa experiência à situações da sua vida, mas sempre terá em mente que não é algo que você possuía originalmente.


Isso se aplica aos outros gêneros literários: ou você sente aquela emoção toda pelo personagem, se põe no lugar dele; ou você está tão conectado à história que acaba unindo-se à ela de forma que certas emoções apresentadas no livro são tão bem demonstradas e semelhantes às experiências na vida real.



Outro ponto importante: o fator da "parede cheia de sangue".


Para ser uma história boa de terror, ela não baseia-se exclusivamente em elementos bloody-disgusting ou em ter uma criatura grotesca.


Para ser uma história boa de horror, ela não baseia-se exclusivamente no chacoalhar de correntes ou uivos de dor para ser um conto de horror bom.


Parece óbvio, mas é bom dizer: a narrativa também conta. 


O sangue escorrendo, os barulhos estranhos, as entidades e tudo o mais não fazem sentido e ficam até meio forçados na maior parte das vezes se não existir um porquê ou então um fator psicológico ou simbólico. 


Uma história de horror/terror, como qualquer outra, precisa de um contexto, senão torna-se ridícula a ponto de parecer que só quer chamar a atenção pelas descrições de cenários e seres macabros. 


(Sem contar que existem pessoas que acham que não há nenhuma construção e desenvolvimento de personagens ou mesmo outras situações onde o horror não é presente, só porque um livro tem a temática mais voltada para esse gênero.)


Afirmar a superficialidade de todo o gênero horror, para mim, é tão absurdo quanto assumir que o clássico "O Morro dos Ventos Uivantes", por ser considerado uma obra de "romance", é comparável a uma novela das oito, na qual todo mundo acaba se pegando e vivem felizes, casados e com filhinhos no último capítulo. 



4 comentários:

  1. Ótimo texto, Carlos.
    Me deparo com isso sempre que comento com alguém sobre o gênero.
    O terror/horror deve ser instigante, sem ser forçado, e assim como os outros gêneros, tem que desenvolver o personagem. Cada pequeno detalhe conta.

    Parabéns pelo blog. Acaba de ganhar uma leitora assídua. ^-^

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  2. Acho que nunca cheguei a discutir com alguém que afirmasse que terror/horror seja superficial.

    Bom, como você falou, o horror/terror tem um gradiente de sentimentos que podem trazer ao leitor (ou ao espectador de algum filme da área), variando de asco, incômodo, etc. O Lovecraft comenta em um dos seus livros sobre isso, e ainda quero ler algum dia.

    Outra coisa que temos que considerar é o período da obra. Não sei se todos os filmes/livros se encaixam nisso hoje, mas aqueles filmes mais antigos com sangue espirrando e ossos se quebrando surgiram do gênero de teatro francês chamado de gore, o qual retratava a fragilidade do corpo humano. Isso se perpetuou no cinema gore atual, e em alguns livros góticos ou de terror, e essa visualização da fragilidade humana e a agonia que acompanha as cenas são interessantes para algumas pessoas... ._.'

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    1. Sim, concordo. A diferença é que o gore, como você mesmo disse, tem um conceito, uma ideia a ser passada através do sangue e dos ossos partidos. Aí tudo bem, porque isso tudo poderia ser representações simbólicas da mensagem que querem passar...

      Por isso a agonia tornaria-se, nesse caso, interessante (ou também pode ser que a pessoa tenha impulsos masoquistas mesmo, mas daí é outra história já...)

      E eu nunca discuti também, mas quis dizer que a reação das pessoas era bem no sentido de superficialização, entende? XD

      Obrigado pelo comentário \o

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