quarta-feira, 19 de junho de 2013

CONTO POR CONTO #1: "A Fava" (Léon Bloy)

Depois de ler a história, sempre volto algumas páginas para ler então a "Apresentação" do conto porque "Contos de Horror do Século XIX" tem essa característica, um tanto desagradável na minha opinião, de introduzir sutis spoilers nessas curtas "introduções" aos contos. 

Li a "Apresentação"... e descobri que o autor do conto que acabara de ler era uma pessoa bem... diferente. E bem odiada também...


Aparentemente, Léon Bloy não tinha muitas papas na língua. É isso o que se pode dizer de alguém que chamou Victor Hugo de "estuprador da poesia" e Maupassant de "fornicador diante de peritos querendo ser chamado de escritor másculo". A lista de seus inimigos continua recheada de adjetivos interessantes e até nomes como Flaubert e Émile Zola não ficaram de fora.



"Ok, talvez o cara fosse meio babaca, mas e a história?", você pergunta (ou não).



Bom, acompanhamos um episódio triste e desconfortável na vida de um vendedor de queijo chamado sr. Tertuliano. Ele era feliz, pois seu negócio prosperava e ele havia conseguido casar com uma bela moça que era 20 anos mais nova que ele.


E, seguindo a linha clássica de diversas histórias de horror, é evidente que a digníssima esposa acaba falecendo, sem deixar nenhum herdeiro e mandando Tertuliano para uma vida de tristeza e saudade. Porém, isso dura pouco, pois ficamos sabendo que nosso protagonista era um sujeito desconfiado e "sofria de um medo atroz de ser corno".
 

Por causa disso, ele investiga um pouco do cotidiano de sua esposa e descobre uma gaveta com uma quantidade enorme de amor e paixão endereçadas a ela.


Pior: todas vinham de amigos de Tertuliano e todas tinham, em seu conteúdo, deboches quanto à condição de corno que ele ostentava sem saber.


Léon Bloy (1846 - 1917)
Mais triste ainda, mas agora também motivado por um ódio monumental, Tertuliano vai buscar sua vingança, punindo todos aqueles que se diziam amigos e traíram sua confiança.

E se ele pudesse se vingar de uma só vez? Quem sabe em um banquete, em uma festa? Por sorte, ele logo tem essa possibilidade, pois o Dia de Reis está se aproximando... Dessa forma, ele decide perpetuar seu ato contra todos através de um jantar nesse dia, no qual será servido o "Bolo Rei". 

Bolo Rei é um prático típico da celebração do Dia dos Reis. Dentro do bolo geralmente é "escondida", entre outras coisas, uma fava seca (espécie de semente de vagem) e, de acordo com a tradição, quem encontrá-la terá muita sorte durante o ano.


Enfim, o que será que Tertuliano vai fazer nesse Dia dos Reis para se vingar?

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FINAL (SPOILER): Como "fava", ele põe por todo o interior do bolo, pedaços do coração ainda em putrefação de sua amada. Talvez não seja a melhor vingança de todas, mas de maneira simbólica é interessante e é uma espécie de surpresa macabra.  
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Admito que fiquei um pouco preocupado no início. Sabia que o conto era curtíssimo, porém o ritmo parecia arrastado.

Parecia que ia ficar o tempo todo apenas nas ponderações tristes sobre a perda da esposa...

Mas, a partir de certo ponto, o negócio engrena e ganha uma pincelada cômica com a tragédia do "corno" e desiludido vendedor de queijos.

Também achei interessante o fato do título não ter uma referência tão explícita no texto (não lembro de ler "fava" em lugar algum na história) e de que o o horror emerge efetivamente bem no final, no último parágrafo.






NOTA: 8 / 10   






LIVRO:
Contos de Horror do Século XIX (2005), organizado por Alberto Manguel. Companhia das Letras. Tradução: conto traduzido por J. A. Giannotti.

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