quarta-feira, 29 de maio de 2013

DEVANEIO: "Ler por ler e achar bonito"

Lá estava eu, pacientemente esperando. Em uma espécie de "espaço de convivência" da faculdade que curso, esperava o tempo passar até o momento que poderia ir para a minha sala de aula.


Acomodei-me da maneira mais confortável possível em um dos únicos puffs ainda disponíveis, o qual ainda estava meio transfigurado pela ação impiedosa de nádegas alheias qua anteriormente posicionaram-se ali. 


De qualquer forma, acomodei-me e observei o movimento e as interações sociais entre todos ali presentes no ambiente um tanto quanto tumultuado no qual me encontrava.


Passado um tempo (que parecia não passar), abri minha mochila e tirei o pequeno "Cenas de Nova York e outras histórias", de Jack Kerouac, e comecei a calmamente ler as colocações do escritor beat sobre seus amigos poetas e os bares que frequentavam na Grande Maçã. Admito que, mesmo com os constantes murmúrios que impregnavam o local, consegui aproveitar a leitura e me interessar mais um pouco pela pessoa de Kerouac, mas constantemente eu tirava os olhos das páginas e os voltava ao meu redor, como toda pessoa com a insegurança (muitas vezes patética) de achar que sempre está sendo satirizado quando se encontra em local público. Só pra deixar claro, acabei me acostumando com essa minha mania, de forma que há algum tempo isso nem me incomoda mais...



Acontece que em determinado momento, durante essas "olhadas ao meu redor", percebi algo. Um desequilíbrio na força, sei lá. O fato é que algo me intrigou e eu não sabia exatamente o quê. Discretamente, passei meus olhos por toda extensão do "espaço de convivência" e... achei.


Era um grupo de umas quatro pessoas. Aparentemente, colegas e amigos, dois rapazes e duas moças, todos com 17-18 anos. Eles conversavam, riam e aparentemente não se comunicavam de maneira civilizada pois sentiam a necessidade de falar mais alto que os outros presentes no ambiente.


Tudo bem...


Então, reparei no que realmente havia me chamado a atenção a princípio. Uma das meninas estava segurando um livro em suas mãos, "A Maldição do Tigre", se não me engano... O marcador de página posicionado em algum lugar que devia ser mais ou menos a página 80-90, por aí...


Ok, num ambiente onde todo mundo está com o nariz enfiado na tela de notebooks e smartphones, alguém (além de mim) com um livro acabou, naturalmente, me chamando a atenção...


Mas, aos poucos, percebi que havia algo errado ali. A menina conversava com seus amigos e o livro no colo...


Os amigos paravam de conversar, a menina ali com o livro no colo...


E o pior a menina olhava para o livro com um desinteresse ímpar, sabe... Pode parecer chato falar, afinal nunca li "A Maldição do Tigre" e não faço ideia se o livro é bom ou não, mas acontece que a menina simplesmente não dava bola pro livro.  


Ficava um silêncio no grupo, ela olhava para o livro, via as páginas do meio, as do final, mexia um pouco na capa e então... puxava qualquer assunto com os amigos.    


Depois de um tempo, um dos amigos perguntou sobre o livro e ela respondeu algo vago, dizendo que era muito bom e lia frequentemente, deu sorriso e uma risada, mexeu no marcador e um pouco nas páginas, passou uma página e... esperou alguém puxar assunto.


Esse processo se repetiu diversas vezes, inclusive com outras perguntas mal respondidas sobre o livro, até que me retirei para ir para minha aula.


Não querendo ser chato, mas...


Ela não parecia alguém que gosta de ler, mas está simplesmente sem vontade no momento.


Infelizmente, dava a impressão de que ela estava usando o livro apenas como um acessório para chamar a atenção para a sua posição como suposta "leitora".  
Sinceramente, você ter que FINGIR que gosta de algo só para ter o que chamar a atenção de seus amigos e dos outros à sua volta, é um dos atos mais concretos e sintomáticos, na minha opinião, de falta de personalidade... 


Não é por ser um livro ou por ser a atividade de leitura, e sim por você estar submetendo a sua individualidade à algo que você visivelmente não gosta, apenas para se incluir ou mesmo se diferenciar num grupo.


E é complicado também porque "ler por ler e achar bonito" envolve o fato de que você não está lendo para conhecer a história e mergulhar no mundo exposto ali naquelas páginas e, dessa forma, a leitura acaba se tornando um peso, como se fosse obrigatória e tirando todo o gosto que você poderia adquirir pelos personagens, pela trama, etc.


Música, literatura, artes, ideologias, religião, comportamento... todos seus gostos e preferências deveriam ser constituídos a partir de suas experiências e não por imposição de outros ou por "achar diferente/bonito". 


Sei lá, só acho que hoje em dia, com a quantidade de massificação decorrente de fatores como a mídia e globalização, é mais importante ainda você procurar o que você mais gosta, e se orgulhar disso, sem influência direta de terceiros. 


(ainda mais se você tiver nascido sem um botão de volume e com a voz harmoniosa de uma gralha sendo estrangulada)

 
;) 



2 comentários:

  1. Concordo plenamente, já vi inumeros casos desse. A pessoa fazer algo só para ser tachada de algo bom, ou simplesmente está dentro da "modinha", de ser intelectual.
    http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Né?
      Sempre achei muito errado a pessoa QUERER ser taxada de alguma coisa desse tipo...

      Excluir