E se, de uma hora pra outra, você começasse a suspeitar que talvez sua vida não seja exatamente isso que você presencia todos os dias, nem suas memórias, tampouco seus sonhos?
Seria estranho, certo? Mas e se, além disso tudo, você fosse, na realidade, um personagem da literatura criado por um grande escritor, com gostos e vida completamente diferentes?
Aí sim, complica, né...?
Pierre Louÿs (1870-1925), escritor belga e muito mais conhecido por suas histórias eróticas, fala exatamente sobre isso em seu conto (não-erótico), "A Falsa Esther".
Pierre Louÿes (1870-1925) |
Na história, alguém (o primeiro narrador) encontra um anúncio vendendo o antigo diário de uma tal Esther van Gobseck. Acontece que esse é o nome de uma personagem, uma prostituta, criada por Honoré de Balzac na obra "La Torpille".
Entretanto, descobrimos que, na verdade, o diário é de uma pessoa com exatamente o mesmo nome, mas com um estilo de vida muito diferente da Esther "original" de Balzac.
Com o decorrer da leitura do diário, percebemos que a "falsa" Esther descobre sobre a personagem homônima e, revoltada e temendo por sua reputação, viaja à Paris para confrontar o próprio Balzac por esse "ultraje".
Balzac, "criador" de Esther |
O problema é que as coisas não acabam do jeito que ela esperava: o encontro com o escritor resultou em um conflito interno sobre sua própria personalidade e, aos poucos, ela vai se tornando a "verdadeira" Esther e seguindo tudo o que ela faz em "La Torpille" (incluindo o dramático final).
O conto não é dos mais fortes e o horror (afinal, estamos falando de uma coletânea de contos desse gênero) fica mais por conta do conflito e a triste decadência da "falsa" e antes comportada Esther.
A única ressalva é que a história fica um tanto confusa na parte da revelação (?) sobre a existência de Esther, entretanto isso também pode ser apenas o reflexo dos pensamentos dela, que começam a ficar mais conturbados.
Mas no final também é intrigante, porque nos faz refletir sobre a possibilidade de a "falsa" Esther apenas ter sofrido (ou sofrer) de algum "desvio mental" e, com toda a situação imposta, ter começado a simplesmente delirar sobre sua própria existência.
Essa ambiguidade acaba acrescentando algo de interessante à premissa simples do conto. ;)
NOTA: 7/10
Curiosidade: Louÿs também ficou conhecido por ter promovido diversos ensaios eróticos que acabaram resultando em mais de 10000 fotografias de mulheres nuas.
LIVRO:
Contos de Horror do Século XIX (2005), organizado por Alberto Manguel. Companhia das Letras. Tradução: conto traduzido por Rosa Freire d'Aguiar.
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