segunda-feira, 24 de junho de 2013

CONTO POR CONTO #1: "O Amigo dos Espelhos" (Georges Rodenbach)

Narciso é um dos personagens mais interessantes da mitologia greco-romana, na minha opinião. Um cara bonito, cobiçado e que genuinamente ignorava as diversas mulheres e outros seres (acho que eram ninfas) que queriam seu amor e seu porco nu.


Um dia, ao debruçar-se para tomar água em um rio, ele depara-se pela primeira vez com o reflexo de seu rosto e ali fica admirando a sua beleza até morrer.


Passando para a psicologia, uma pessoa com Transtorno de Personalidade Narcisista é exatamente isso que caracterizava Narciso: falta de empatia, sentimento de grandiosidade e uma grande necessidade de ser admirado.



Em "O Amigo dos Espelhos", Georges Rodenbach não aborda necessariamente esse transtorno psicológico (até porque ele nem mesmo era estudado na época), mas sim uma espécie um pouco mais alucinada de Narciso.

 
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Narciso na mitologia
O "amigo dos espelhos" desenvolve, de fato, uma admiração enorme por sua própria imagem, fascinando-se a princípio pelos espelhos, porém ele mantém amigos pelos quais têm empatia, como por exemplo o próprio narrador da história. 


Mas com o tempo, algo o atormenta: os espelhos da rua, das vitrines, "transformam" ele em algo muito mais feio e "inferior". Consequentemente, ele se torna incapaz de encará-los.


Nosso narrador, amigo dessa espécie de Narciso, para tentar motivá-lo, sugere que os espelhos da rua são, na verdade, de péssima qualidade e era natural que qualquer pessoa parecesse menos bonita naqueles reflexos.


Isso funciona.

Quer dizer...


Dessa vez o negócio degringola: o "amigo dos espelhos" agora começa a ficar realmente obcecado por espelhos e pela sua imagem, forrando as paredes de sua casa com eles e isolando-se do convívio social. 


Nosso narrador, entretanto, continua sendo aceito na casa de reflexos. Ele descobre que seu amigo passa tanto tempo se admirando nas paredes que simplesmente não tem mais a capacidade de identificar seu reflexo como tal, e sim como outra pessoa diferente na casa. 


Além disso, ele criou seu novo círculo social: uma multidão de projeções dele mesmo que se espalham de espelho em espelho por toda a residência e com as quais tem seus "diálogos" (no caso, monólogos).      


O narrador torna-se o único que ainda o faz visitas.


Assim começou a história do "amigo dos espelhos".

Como ela termina? Leia o conto ;)


ou leia os spoilers aqui também, sei lá, pode ser... 


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FINAL (SPOILERS): Aos poucos, nosso Narciso começa a ter certas alucinações e delírios quanto o "outro lado do espelho" (Lewis Carroll feelings). Inevitavelmente, ele é internado em um manicômio e seu quarto possui apenas um espelho simples com a qual acaba se acostumando. Um manhã, porém, o encontram com o crânio fraturado, aparentemente ainda agonizando, pois teria tentado entrar na marra no lugar dos espelhos. Sério.
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http://wwwdelivery.superstock.com/WI/223/1916/PreviewComp/SuperStock_1916-1972.jpg
Georges Rodenbach (1855 - 1889)
O conto não tem nem 4 páginas.


É rápido, fácil, direto, poucos escrúpulos ou floreios, só o importante para entendermos a decadente condição do "amigo dos espelhos".


A premissa também, fazendo referências óbvias à mitologia greco-romana com certeza me agradou muito.


Enfim... recomendo.







NOTA: 9 / 10 





LIVRO:
Contos de Horror do Século XIX (2005), organizado por Alberto Manguel. Companhia das Letras. Tradução: conto traduzido por Paulo Werneck.

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